Práticas associadas à justiça restaurativa têm sido estimuladas pelo Conselho Nacional de
Justiça desde 2005 e sua implementação inicial trouxe como foco ideias restaurativas associadas ao
abolicionismo penal e ao movimento das vítimas. Em 2010, ocorre uma mudança de abordagem e as
práticas ditas restaurativas passaram a ser orientadas pelo Guia de Práticas Circulares, de Key Pranis.
A visão dos círculos da paz passou a predominar no Poder Judiciário, e, desde então, essa abordagem tem orientado a aplicação da justiça restaurativa, incluindo a violência doméstica. Neste artigo,
analisamos o Guia de Práticas Circulares e as práticas utilizadas em juizado de violência doméstica
de uma cidade gaúcha. A partir da perspectiva teórica da justiça restaurativa com fundamento abolicionista, entendemos que as práticas circulares não podem ser entendidas como restaurativas. A
pesquisa exploratória analisou relatórios de casos encaminhados às práticas circulares cujas técnicas
estão previstas no Guia. A pesquisa empírica com entrevistas em profundidade com mulheres que
participaram de círculos demonstrou que as práticas circulares são entendidas pelas usuárias como
reconciliação ou terapia, o que permite concluir que o Guia de Práticas Circulares é utilizado acriticamente e as práticas circulares são entendidas como convite à reconciliação do casal, reproduzindo
estereótipos de gênero e a violência doméstica.